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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A transexualidade em Julie e Camila

m 2012 a editora Marca de Fantasia realizou mais uma edição de seu concurso de quadrinhos para estimular os autores amadores a mostrar seu trabalho, que em seguida é publicado em álbum com os selecionados. Nesse ano a temática foi a homossexualidade, abordada em tiras ou histórias curtas, aberta a várias expressões de gênero, como gays, ursos, lésbicas e transsexuais, enfocando seus problemas, conquistas e afirmação.

Em meio a uma boa leva de trabalhos enviados de todo o país e mesmo do exterior, surpreendeu-nos as tiras de Camila, personagem transexual criada por Julie Albuquerque. Até onde sabemos, trata-se da primeira personagem com essa característica feita no país e ainda mais por uma autora também transexual.
Julie Albuquerque - cujo nome de origem é Júlio César de Oliveira Albuquerque -, nasceu em Cotia, SP, mas vive em Ibiúna (interior de São Paulo) desde que saiu da maternidade, donde se considera mais ibiunense que cotiense. Júlio sempre teve uma aparência feminina, por isso até hoje é confundido com uma garota, principalmente a partir de meados de 2006, quando passou a adotar definitivamente as vestes femininas.
Julie se considera a primeira transexual a editar um fanzine com uma personagem transexual, o Camila GLS Rock Zine. Camila foi criada em homenagem a Camila de Castro, transexual que vivia na praça Roosevelt em São Paulo, e que (supostamente) se matou, jogando-se nua do 7º andar do apartamento em que morava, no dia 27 de julho de 2005. Cerca de um ano depois, em 24 de junho, Julie lançou o Camila Zine edição especial n. 1, durante o show do Ação Direta em Ibiúna, alcançando um sucesso inesperado na cena underground de rock.
Irreverente, às vezes desbocada e só levemente imoral, Camila é a expressão de um mundo em conflito, que vive cerceado por padrões morais ancestrais e estúpidos. Não há como não associar a personagem à criadora, já que Camila pode ser considerada o alter ego de Julie, que transpõe para os quadrinhos o enigmático universo do travestismo imiscuído com a transexualidade. Embora o sexo esteja quase sempre presente nas tiras, o mundo de Camila faz reiteradamente referência às bandas de rock preferidas da autora, sobretudo as que circulam fora dos esquemas comerciais. Ou seja, Camila trafega pelas zonas periféricas, diria marginais, onde sua figura paratópica encontra espaço para se exprimir sem censura.
Julie utiliza vários elementos estéticos do mangá, triando proveito da liberdade expressiva do gênero, que por fim dão um tom humorístico as suas tiras. Embora a produção de Camila seja esporádica - reunimos praticamente tudo o que já foi criado com a personagem e publicado em várias edições de seu fanzine -, o trabalho de Julie ganha densidade pela originalidade estética de sua obra, que ela domina bem, e pelo conteúdo excentrico e provocador, num meio tão marcadamente machista como o dos quadrinhos.
Henrique Magalhães

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