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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Violent Cases – Aleph



Violent Cases  
Editora: Aleph – Edição especial
Autores: Neil Gaiman (roteiro), Dave McKean (arte) e Érico Assis (tradução) – Originalmente em Violent Cases.
Preço: R$ 39,90
Número de páginas: 64
Data de lançamento: Setembro de 2014
Sinopse
Um homem relembra um caso de sua infância distante. Aos quatro anos, ele teve o braço machucado em um acidente doméstico e foi levado a um osteopata, que contou histórias sobre gângsteres, Al Capone e “estojos de violência”.
Positivo/Negativo
A década de 1980 foi muito interessante para os quadrinhos, especialmente os norte-americanos de super-heróis. Todo mundo que acompanha esse gênero sabe da importância dos trabalhos de Frank Miller e Alan Moore, que trouxeram uma ambição temática e dramática muito maior para os gibis da Marvel e DC.
Não raramente, o trabalho de Moore é citado como influência por diversos profissionais do ramo. Com certeza, para os novatos Neil Gaiman e Dave McKean, o desenvolvimento que o roteirista britânico dava a suas histórias serviu para quebrar a ideia de que quadrinhos eram “só para crianças”.
Inspirados, o jovem jornalista e o recém-formado estudante de design transformaram o convite para criar uma história de quatro páginas em um projeto audacioso de 44.
Todas essas informações estão nos textos que acompanham esta nova edição de Violent Cases, lançada pela Aleph.
O álbum tem uma caprichada produção gráfica, impressão impecável, galeria com as capas das edições anteriores e textos complementares escritos por Neil Gaiman, Paul Gravett e o próprio Alan Moore.
São textos escritos em 1987, 1991, 1997 e 2003, que permitem compreender melhor o contexto de produção da obra e sua relação com a época. Esse é um aspecto muito interessante, considerando que um dos temas da história é justamente a busca da reconstituição de fatos distantes do passado, por meio de uma memória nem sempre precisa.
Uma das ideias mais repetidas nesses textos é que “os quadrinhos cresceram”, “não são mais para crianças”, ou, nas palavras de Gaiman, uma HQ “que pudéssemos mostrar aos amigos, e que nossos amigos pudessem ler e, se tivéssemos sorte, respeitar”.
E essa história adulta e respeitável fala justamente sobre um homem que procura revisitar sua infância para resgatar um episódio bem incomum: ter sido paciente de um médico que supostamente também atendeu Al Capone.
Logo na primeira página se vê o narrador, o próprio Neil Gaiman, acendendo um cigarro e ressaltando a importância de definir os fatos para chegar à verdade. Entretanto, essa busca pela verdade é impossível, uma vez que a memória é inexata.
Assim, a tentativa de recriar a imagem do rosto do médico resulta em um personagem que oscila entre um cacique pele-vermelha polonês, um Albert Einstein narigudo e um ator de um filme de Humphrey Bogart.
O mesmo acontece com o ferimento do braço do garoto. Afinal, foi um acidente?
É interessante que a narrativa é feita por um adulto atento aos fatos e detalhes, que faz perguntas ao pai tentando dar mais solidez às lembranças, mas a trama se desenrola de uma perspectiva infantil.
Os casos contados pelo osteopata são amenizados enquanto a atenção do pequeno protagonista se perde em considerações sobre doces, roupas e festas infantis.
Essa oscilação entre a narrativa “adulta” e a visão infantil, entre a indefinição da memória e a busca por fatos precisos e, finalmente, entre realidade e ficção, geram uma tensão na qual reside a força principal de Violent Cases.
O próprio título brinca com essas tensões. Trata-se de um trocadilho em inglês, que provavelmente se perderia com uma tradução. Violent tem sonoridade semelhante a violin. E cases serve tanto para “casos” quanto para o estojo em que um violino é guardado. Ao final da obra, há um texto curto em que o tradutor tece considerações bem interessantes a esse respeito.
Violência e violino, brutalidade e brincadeira, as dimensões parecem se misturar e, de repente, uma festa infantil e um massacre se encontram numa dança de cadeiras. Mesmo a presença do pai, “minha rocha e meu abrigo”, traz em si uma tensão: se ele acidentalmente machucou o braço do garoto e fica ameaçando abandoná-lo na estrada, é tão confiável quanto parece?
A arte de Dave McKean é belíssima e reproduz a tensão entre memória e fato nos desenhos realistas mesclados a técnicas de ilustração que ressaltam o caricato e subjetivo.
Esta edição é anunciada como “remasterizada e com novas cores”, mas o que acontece na prática é uma aplicação de um tom de sépia nas imagens que originalmente eram azuis, com toques de magenta e vermelho. Isto é, nesse sentido, a colorização original parecia ser mais rica e interessante.
Violent Cases é resultado da pretensão comovente de dois apaixonadas por quadrinhos dispostos a começar a produzir e mostrar para o mundo por que esses desenhos e palavras são tão fascinantes.
Uma paixão cheia de culpa, característica dos anos 1980.
Os jovens Neil Gaiman e Dave McKean estreavam com uma história bela e sincera, que parece pressagiar promissoras carreiras.

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